Renata Giraldi
Repórter da Agência Brasil
Brasília
– A Organização das Nações Unidas (ONU), por intermédio do escritório
de direitos humanos da entidade, defendeu que o governo do Brasil adote
as medidas necessárias para garantir a liberdade às manifestações no
país. Em comunicado, o escritório recomendou a busca pelo diálogo, o fim
da violência na repressão aos protestos e investigações sobre os casos
de arbitrariedade.
O porta-voz do escritório de direitos humanos das Nações Unidas, Rupert Colville, elogiou a presidenta Dilma Rousseff por
demonstrar compreender os anseios da sociedade.
“Parabenizamos a declaração da presidenta Dilma Rousseff ao afirmar que
as manifestações pacíficas são legítimas, bem como o acordo na
segunda-feira [17] para que a polícia de São Paulo não use balas de
borracha”, disse ele.
Porém, Colville disse estar preocupado com os relatos enviados ao
escritório das Nações Unidas. Segundo ele, há relatos sobre danos,
ferimentos, prisões e detenções e arbitrariedades. “Algumas organizações
da sociedade civil têm também denunciado a arbitrariedade de algumas
dessas detenções”, ressaltou ele, em entrevista coletiva, concedida em
Genebra, na Suíça.
“Instamos todas as partes envolvidas para que se envolvam [na busca
por] um diálogo aberto para encontrar soluções para o conflito e as
alternativas para lidar com as demandas sociais legítimas, em como para
evitar mais violência”, disse Colville.
No comunicado, a ONU diz que os protestos foram motivados pelo
aumento dos preços das passagens dos transportes públicos, pelos gastos
com a Copa Mundo de 2014 e as Olimpíadas do Rio em 2016. “Com mais
protestos planejados, estamos, contudo, preocupados com o uso excessivo
da força policial relatada nos últimos dias, [que] não deve ser
repetida”, diz o texto.
Em seguida, Colville acrescentou que: “Apelamos ao governo do Brasil
a tomar todas as medidas necessárias para garantir o direito de reunião
pacífica e evitar o uso desproporcional da força durante os protestos.
Também solicitamos às autoridades que realizem investigações imediatas,
completas, independentes e imparciais sobre o alegado uso excessivo da
força”.
Edição: José Romildo
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Protestos no Brasil repercutem na imprensa internacional
POR JOSÉ RIBAMAR BESSA FREIRE
1968: nota do jornal O Paiz destaca o repórter Bessa Freire em foto do Correio da Manhã
É. É isso mesmo que você leu. Cada
um defende sua tribo. Esse locutor que vos fala já foi chamado de
vândalo, sofreu prisão e respondeu processo por danos ao patrimônio
público, numa passeata na Rua Uruguaiana, no Rio. Mas isso foi no século
passado, em 1968. Acontece que agora muitos manifestantes, que podiam
ser meus netos, são presos sob a mesma acusação com ou sem culpa no
cartório. Do Oiapoque ao Chuí, a mídia jura que os vândalos tomam contam
do país.
"Vândalos provocam destruição em Minas", berra O Globo (27/6) em
manchete de oito colunas. "Moradores improvisam 'milícia' contra
vândalos no RS" – grita a Folha de S. Paulo (29/6), informando em outro
título: "No Rio, 'pitboys' são suspeitos de ataques a concessionárias".
Alguns apresentadores de telejornais chegam a encher a boca, saboreando
cada letra da palavra.
Afinal, quem são os vândalos? Depende do momento, do lugar e de quem
nomeia. Originalmente era uma tribo que falava vândalo, uma língua
germânica, e que num conflito armado com o Império Romano saqueou Roma,
destruindo muitas obras de arte. Por extensão, no século XVIII, na
França, foram assim chamados os revolucionários que na luta contra o
feudalismo e a monarquia arrasaram monumentos e prédios públicos. Na Av.
Paulista, há quinze dias, vândalo era todo e qualquer manifestante que
protestava pacificamente. Hoje, nas capitais brasileiras, são grupos
considerados pela polícia como baderneiros.
Muito antes disso, Roma havia sido incendiada, mas não pelos vândalos.
Durante dias o fogo consumiu a cidade, transformando o Templo de Júpiter
num monte de cinzas. Até mesmo os que suspeitavam que o incendiário era
o imperador Nero jamais usaram a palavra vândalo para designá-lo.
De Nero aos dias de hoje, ninguém que vandalizou em nome do Estado
foi estigmatizado. O presidente George Bush também nunca foi chamado de
vândalo, apesar de ter indignado a comunidade internacional quando
comandou o saqueio no Iraque e destruiu, entre outros, o Museu de
Arqueologia de Bagdá, sacrificando milhares de vidas humanas, inclusive
de civis.
Wandali conquisiti
Ou seja, parece que bárbaros – como queria Montaigne – são sempre os
outros, os derrotados, porque quem ganha tem o poder de nomear, de
batizar, de dar nome aos bois, de classificar e de dizer quem é e quem
não é vândalo. E no séc. VIII, os vândalos foram definitivamente
derrotados: Wandali conquisiti sunt. Não sobrou nenhum para contar a
história. Diz um provérbio da Nigéria: "Enquanto os leões não tiverem
seus próprios historiadores, as histórias de caça sempre glorificarão o
caçador".
Um caçador de São Paulo, governador Geraldo Alckmin, com aquela cara
de babaca (desculpem baixar o nível, mas que ele tem cara de babaca tem)
e o prefeito da capital, Fernando Haddad (que não tinha, mas está se
esforçando pra ter) justificaram inicialmente a repressão policial.
Naquele momento, para eles, quem protestava contra o aumento do preço da
passagem de ônibus era vândalo. As manifestações cresceram, o governo
recuou e finalmente reconheceu que nem todo manifestante era vândalo.
No Rio de Janeiro, o governador Sérgio Cabral, com cara de Alckmin,
declarou que a Polícia Civil havia identificado pelo menos cinco grupos
que "vem cometendo atos de vandalismo, lesões corporais e furtos". Na
lista, estão "os anarcopunks, os militantes de partidos políticos mais
radicais (não mencionou quais), os brigões oriundos de torcidas de
futebol, os neonazistas e os bandidos de facções criminosas". Faltou
nomear mais dois grupos: a própria polícia que promoveu quebra-quebra e
os revoltados, que estão putos da vida.
É o que os franceses chamam de ras-le-bol, ou seja, estar de saco
cheio. As pessoas não aguentam mais engarrafamentos infernais,
transporte coletivo precário, violência policial, insegurança, hospitais
recém-inaugurados que não funcionam ou que desabam como no Ceará,
estádios caindo como o Engenhão, obras superfaturadas, serviços de saúde
e educação que atentam contra a dignidade humana, justiça lenta, enfim a
impunidade dos vândalos de colarinho branco. Desconfiam do governo, do
judiciário, do congresso, dos partidos políticos e não consideram as
oposições alternativa de poder.
Alguns colunistas, assustados, de um lado com a rejeição aos partidos
políticos e de outro com o quebra-quebra, tacharam esses manifestantes
de vândalos, neonazistas, radicalóides sociopatas, pitboys de passeata
ou, como quer Arnaldo Jabor, "vagabundos, punks e marginais que se
aproveitam sabendo que a polícia não pode matar". Não querem entender
que as manifestações são sintomas da crise de representatividade na qual
está mergulhado o país.
As evidências apontam muita gente boa entre os que inicialmente
promoveram o quebra-quebra e que simplesmente estavam emputecidos.
Usaram o modelo de linguagem da própria polícia que espalha terror e
medo em comunidades carentes, como vem fazendo, no Rio, o Batalhão de
Operações Especiais, que quebra, mata, esfola e saqueia.
Fioforum infra
Tem forte carga simbólica o fato de que a violência tenha atingido
ônibus, pontos de ônibus, relógios públicos, radares, semáforos e
equipamentos de apoio ao tráfego que foram destruídos, assim como alguns
monumentos e prédios públicos pichados e depredados. Não se trata de
defender o vandalismo, porque quem vai pagar a conta somos todos nós,
mas de buscar as razões que levam pessoas a manifestarem assim sua
indignação.
No século XIX, condições subumanas de trabalho, jornadas prolongadas,
salários miseráveis, levaram trabalhadores ingleses da indústria
nascente, entre eles mulheres e crianças, a destruírem máquinas e
equipamentos industriais, num movimento que ficou conhecido como ludismo
em referência a Ned Ludlam, líder do movimento. Karl Marx, que criticou
o quebra-quebra, buscou ver a semente revolucionária que ele continha e
que foi canalizado para a reivindicação de reformas sociais e políticas
e acabou originando novos métodos de luta, com o fortalecimento dos
sindicatos.
Esses movimentos sempre trazem mudanças. As cinco pessoas
assassinadas no Morro do Borel é que deram origem, em 2004, à Rede de
Comunidades e Movimentos contra a Violência, que está convocando agora
uma manifestação pacífica neste domingo, durante a final da Copa das
Confederações.
- É muito difícil organizar uma manifestação pacífica na rua, no
Brasil, porque o Estado é violento", disse à Folha Caio Martins, 19
anos, estudante de Historia da USP, que milita no Movimento Passe Livre
(MPL) desde 2011. Ele condenou a polícia que na primeira passeata
pacífica lançou uma bomba de efeito moral decepando um dos dedos de uma
manifestante.
É evidente que ninguém pode aceitar a destruição do patrimônio ou a
agressão às pessoas, sejam elas promovidas pela polícia ou por
manifestantes. No entanto, muitas vezes, o aparelho policial busca bode
expiatório. Em 1968, num primeiro momento, fui acusado de ter incendiado
uma viatura na Rua Uruguaiana. No final, acabaram me processando por
haver rasgado a farda de um policial. Nenhuma das acusações era
verdadeira.
Quando a Polícia pediu ajuda ao MPL para identificar os vândalos,
seus integrantes se recusaram. Poderiam muito bem, reconhecendo que
Wandali conquisiti sunt, citar um dos reis vândalos, não sei se
Hilderico ou Gunderico: "Fioforum plus infra est", ou como diria Cícero
no senado romano: "O buraco é mais embaixo".
Abaixo o vandalismo! Vivam os vândalos!