Laurindo, no Los Angeles Times: Mídia brasileira ainda reflete a elite escravagista
Dilma Rousseff, do Brasil, é popular, mas não na mídia
Jornais e emissoras de TV ricas e poderosas tem sido críticas de
presidente esquerdista apesar dela não se envolver nos negócios deles
By Vincent Bevins, Los Angeles Times, sugerido pela Guta Nascimento
March 3, 2013, 6:36 p.m.
SAO PAULO, Brazil — Quando o presidente esquerdista João Goulart foi
deposto pelos militares brasileiros em 1964, a grande mídia da Nação,
controlada por algumas famílias ricas, celebrou.
Mas durante a ditadura de 21 anos que se seguiu, o governo censurou os jornais e as emissoras de TV operadas pelas famílias
[1].
Agora as coisas são diferentes. Desde 2003, o Brasil tem sido
governado pelo esquerdista Partido dos Trabalhadores, conhecido como PT,
que não se envolveu com a mídia.
Mas as publicações e emissoras de TV, ainda controladas pelas mesmas
famílias, tem sido críticas do partido, apesar da aprovação pública da
presidente Dilma Rousseff chegar a 78%. Nenhuma grande publicação dá
apoio a ela, com alguns jornais e revistas particulamente duros em suas
críticas.
“É uma situação extremamente única no Brasil ter um governo tão
popular sem que haja um grande meio que o apoie ou represente o
ponto-de-vista de esquerda”, diz Laurindo Leal Filho, um especialista em
mídia da Universidade de São Paulo.
A oposição ao Partido dos Trabalhadores existe desde que o
ex-metalúrgico Luiz Inacio Lula da Silva, que já foi preso pela
ditadura, foi eleito presidente em 2002. Lula rapidamente se moveu para o
centro e se acomodou com as elites empresariais e na década seguinte
viu um boom econômico no qual 40 milhões de pessoas sairam da pobreza.
“A sociedade brasileira foi baseada na escravidão por mais de 300
anos e quase sempre foi governada pela mesma classe social”, diz Leal
Filho. “Algumas partes da classe alta aprenderam a conviver com outras
partes da sociedade previamente excluídas… mas a mídia ainda reflete os
valores da velha elite, com algumas poucas exceções”.
A mídia foi amplamente elogiada por duras investigações de corrupção
que levaram à substituição de oito ministros do governo Rousseff e 25
autoridades de alto escalão foram sentenciadas por um escândalo de
compra de votos do governo Lula. Mas apoiadores do governo dizem que a
mídia presta menos atenção à corrupção quando envolve outros partidos
políticos.
Os Repórteres Sem Fronteiras recentemente divulgaram um relatório
criticando a concentração da mídia no Brasil e recomendando uma reforma
nas leis da mídia. Mas ao contrário do que tem acontecido na América
Latina, onde governos batalham abertamente contra os críticos da mídia
privada, o governo brasileiro adotou uma postura relaxada.
Mesmo se houvesse um esforço neste sentido, seria politicamente
impossível, dizem analistas. O relatório do Repórteres Sem Fronteiras
detalha as relações próximas entre partes da mídia e membros do
Congresso, alguns dos quais inclusive votam sobre concessões das quais
são proprietários, especialmente fora das grandes cidades. Para governar
o país, Rousseff precisa navegar nas águas complicadas do sistema
parlamentar brasileiro e trabalha com mais de 20 outros partidos.
“É um infortúnio, mas para governar este país você precisa de alianças”, diz Mino Carta, editor de
CartaCapital,
a única publicação que apoia o governo. Vende 60 mil cópias por semana
num país de quase 200 milhões de habitantes. Enquanto isso, Rousseff,
que foi torturada pela ditadura por suas atividades esquerdistas nos
anos 70, tem recebido as críticas da mídia naturalmente, reafirmando
periodicamente sua crença na liberdade de expressão.
[2]
Tentar construir um órgão de mídia que apresente um ponto-de-vista
diferente seria extremamente difícil, diz Carta, por causa da
necessidade de verbas publicitárias.
[3]
“Seria um objetivo de longo prazo a ser atingido lentamente”, diz o septuagenário nascido na Itália.
A maior parte dos chefes da mídia brasileira dizem que seu jornalismo é neutro e objetivo.
Sergio Davila, editor da
Folha de São Paulo, o
jornal brasileiro de maior circulação, diz que “quando Fernando Henrique
Cardoso estava no poder, seu partido, o PSDB, dizia que éramos do
contra e pró-PT”.
Davila aponta para uma reportagem do jornal que mostrou a compra de
votos que garantiu a reeleição de Cardoso. “Agora vemos o outro lado da
moeda”.
[4]
Mas muitos apoiadores do PT enxergam os grandes jornais, inclusive a
Folha e o
Estado de São Paulo, como anti-Rousseff, assim como a rede de TV e os jornais do dominante grupo Globo.
“A grande mídia sempre defendeu interesses poderosos”, diz Jose
Everaldo da Silva, um trabalhador portuário aposentado da região
Nordeste, tradicionalmente pobre, que se beneficiou especialmente do
governo do PT. “Todos se lembram do que a Globo fez na primeira eleição
do Lula”.
Quando Lula primeiro concorreu à presidência em 1989, a TV Globo
editou fortemente o debate final com Fernando Collor de Mello, dando a
Lula menos tempo e mostrando os melhores momentos de Collor.
[5]
As urnas foram favoráveis a Collor, que foi eleito e sofreu impeachment por corrupção.
O episódio foi um dos temas do documentário britânico
“Além do Cidadão Kane”.
A Globo mais tarde admitiu ter cometido um erro mas nega ser
tendenciosa. “A Globo é absolutamente não partidária. Não opina sobre
governos e busca neutralidade em seus programas”, diz um porta-voz.
[6]
As estações de TV são relativamente moderadas e fontes mais
importantes de notícias que a mídia impressa para brasileiros, muitos
dos quais não lêem jornais ou revistas, diz David Fleischer, um
cientista político da Universidade de Brasília.
“As estações de TV não atacam [Rousseff] como a imprensa faz”, diz Fleischer.
Em contraste com o que acontece no mundo, o impresso está crescendo
no Brasil, com aumento da alfabetização e do consumo. A circulação da
Folha cresceu 2% no impresso e 300% online no ano passado.
[7]
“Mais diversidade na mídia seria bom para o país”, diz Davila, “Não sei porque não está acontecendo”.
[8]
No momento, nem Rousseff nem o trabalhador portuário aposentado [Lula] Da Silva parecem preocupados.
“Todo mundo que viaja por aqui vê claramente que o Brasil mudou. A
Globo distorce a verdade, sim. Mas não é tanto assim. Quem se preocupa?
Eles podem dizer o que quiserem”, diz [Lula] Da Silva numa entrevista
telefônica, e cai na gargalhada. “Neste momento, na verdade, estou
assistindo a Globo”.
PSs do Viomundo:
[1] Alguém precisa mandar ao Vincent Bevins, do
Los Angeles Times,
uma cópia do livro Cães de Guarda,
da Beatriz Kushnir, que demonstra que os donos da grande mídia se
beneficiaram econômica e politicamente da ditadura militar. Tiveram
relações carnais com os ditadores. Não por acaso, o empresário do ramo
que se opôs ao golpe faliu.
[2] Não consta que os críticos da mídia brasileira
queiram limitar a liberdade de expressão. Pelo contrário, querem
liberdade de expressão para além de meia dúzia de famílias.
[3] O nó brasileiro é nó de marinheiro:
Globo-BV-agências publicitárias-deputados e senadores concessionários.
Concentração de verbas e de poder. Simples assim.
[4] A
Folha é aquele jornal que
publicou uma ficha falsa da Dilma em plena campanha eleitoral. Na
primeira página. Um horror. E que teria exilado o autor da reportagem da
compra de votos do FHC, para “dar um tempo”.
[5] Não apenas. A Globo colocou entrevista no Jornal
Nacional com a ex-namorada Miriam Cordeiro, que acusava Lula de ter
tentado abortar a filha, além de fazer declarações racistas. Isso na
semana da eleição. Depois a entrevista foi para a propaganda eleitoral
de Collor. A famosa edição do debate foi seguida por uma pesquisa de
opinião mostrando que Collor era “o mais preparado”. Para dar um ar de
hiper-Macondo à situação, em seguida vem o Alexandre Garcia concluindo
que a Globo tinha cumprido seu papel de forma isenta no processo
eleitoral. Sem falar no editorial de
O Globo – jornal do grupo que mais tarde exilaria a namorada de Fernando Henrique Cardoso na Espanha — dizendo que a população tinha
“O Direito de Saber” em
relação às acusações pessoais de Miriam contra Lula. Ah, sim, os
eleitores não tiveram o direito de saber sobre FHC e Miriam Dutra
durante uns 18 anos…
[6] A Globo não transforma bolinhas de papel em mísseis Exocet.
[7] Desde a famosa carta do Rodrigo Vianna, o que
cresce 1.000% anualmente no Brasil é o número de pessoas capazes de
perceber as grosseiras omissões e manipulações midiáticas, como —
lembram-se? — no recente apagão elétrico que devastou o governo Dilma.
[8] Eu sei, Sergio Davila. Não acontece porque todas
as tentativas de desconcentrar a mídia são deliberadamente confundidas
com tentativas de limitar a liberdade de expressão. Inclusive pela
Folha.
Mídia concentrada dá mais poder aos barões proprietários, inclusive de
definir a agenda política, assassinar o caráter de adversários e extrair
concessões governamentais.
http://www.viomundo.com.br/denuncias/laurindo-no-los-angeles-times-midia-brasileira-ainda-reflete-a-elite-escravagista.html
"Quebrando Todas As Regras
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