sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Pedalando e catando latinhas no ano novo


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2012, para nós do artesanato de rua de SP, artistas e artesãos que não conseguem espaços em feiras de jeito nenhum e que portanto não tem a permissão da Prefeitura para trabalhar legalmente em nenhuma parte da cidade, foi um ano muito ruim, como estar em um outro tempo,outro país, nas épocas de perseguições, ou até mesmo na época da Ditadura Militar. Tivemos um Prefeito ditador, péssimo paras as questões sociais, para as artes de rua. Muitas vezes quando não havia lugar para trabalhar, nenhuma possibilidade de melhora e  eu tinha que escapar da Policia pra tentar a sobrevivência, garantir o minimo, eu lembrava cenas de terror, de filmes que assisti sobre a época do nazismo, onde quem saiu vivo teve que lutar muito e fazer”magica” para não ser pego. Claro que o que aconteceu com os artesãos aqui em SP comparado ao sofrimento e aos massacres durante a segunda guerra mundial não é nada, nem uma garoa fina comparado com aquilo , mas foi um ano muito pesado com um Prefeito tratando tudo o que ele considerava ilegal e não conhecia como caso de policia. Mesmo na rua Augusta, reduto alternativo, underground, a coisa era pesada, com a GCM e a PM fazendo rondas e terror pra cima de quem tentasse vender alguma coisa. Fora isto tivemos que brigar pelo espaço que improvisamos, um degrau de uma loja, quando fechava, com grupos de ambulantes, “zumbis”, moradores de rua e até outras coisas mais pesadas na madrugada
Ultimo dia do ano, nas ruas as pessoas já estavam no espirito de virada de ano, com muitas festas. Eu não sabia o que ia fazer no dia 31, principalmente por não ter dinheiro algum, apenas para o básico. Fui convidado para uma festa na casa de familiares e a outra opção seria ouvir fogos e gargalhadas das festa dos outros, os vizinhos. Já passei esta data de varias formas, festa de família, no meio de multidões de branco na beira da praia desviando a cabeça pra que um rojão não me acertasse, tocando violão perto da fogueira em Jericoacoara ou mesmo dormindo. Um ano que passei em Fortaleza na beira mar no meio de milhares de pessoas empolgadas, a minha namorada na época me perguntou o que eu ia fazer quando o ponteiro do relógio desse inicio ao novo ano; Eu disse que nada e depois fiquei pensando nesta coisa, da expectativa, da loucura, sair gritando, buzinando, nadar pelado no lago gelado entre tantas coisas e cheguei a conclusão que eu devo ser algum tipo de idiota sem graça, nunca planejo ou faço algo estranho demais, surpreendente pra depois ficar contando o ano inteiro. Desta vês igual, com apenas uma diferença, sem namorada, mulher, amigos, nada, somente tive uma ideia de ultima hora pra não ter que ficar fritando o cerebelo vendo festa dos outros pela televisão e ouvindo a festa do lado de fora estourando por todas as casas; Peguei a bicicleta, mochila e comecei a pedalar, no começo ainda no meu bairro sem direção depois tracei um plano de viagem na direção de Ribeirão Pires uma cidade da região, pequena e com cara de interior, já perto da Serra do mar.Uma cidade bonita e tranquila, com muitos bares, vida noturna,então pensei... Deve ter uma grande festa de rua lá. De Santo André até Ribeirão deve ter uns 20 Kms, fui indo e quando encontrava alguma latinha vazia de cerveja, pegava, amassava, colocava na mochila e seguia. Fui pedalando sem pressa, vendo todo o clima de festa de outro modo, os carros indo com pessoas empolgadas, muitas de branco, algumas casas preparadas com as pessoas vestidas, taças, cervejas, um clima bom. Segui pela avenida que na verdade se parece mais com uma grande estrada, em dias normais, de dia sempre esta lotada de caminhões porque tem muitas industrias na sua margem e é rota de ligação de SP com toda a região e baixada Santista. Fui seguindo,nenhum louco pedalando, fora eu, passei por Mauá e no trecho das grandes fabricas que estavam fechadas, dava pra ver vês ou outra um vigia solitário, parecia estar estranhando tudo quando olhava pela cabine pra fora; “Is there anybody there”???. Cruzei com uma das entradas do Rodoanel, fiz uma rápida parada para o banheiro debaixo do viaduto totalmente vazio, enorme, muito espaço, terra vermelha amassada; Um ótimo lugar pra uma grande festa com tochas, fogo, uma banda tocando algo mais nervoso de Niel Young , Stones, Punk Rock, caipirinha, todos os amigos que estão espalhados pelo planeta, os que já partiram também e claro muita mulher bonita sem frescura, que não fique falando de Shoppings, dividas do cartão, carro novo, simplesmente Rock' N Roll! Tudo isto veio na minha mente nestes poucos minutos de uso deste enorme banheiro sem nenhum sinal da presença humana. Hora de partir, novamente na bicicleta, mais algumas latinhas pelo caminho, deixadas pelo pessoal dos carros, algumas já muito amassadas, passei por Mauá e fui pedalando na direção de Ribeirão Pires onde eu imaginava que estaria lotado de pessoas na Praça e que teria a tradicional contagem do tempo, muita musica, seria o meu ponto de parada pra descansar e fazer parte daquilo, tomar algumas cervejas conversar com desconhecidos que poderiam se tornar amigos e recolher algumas latas vazias. O caminho teve trechos escuros, em algumas partes tive que fazer malabarismos pelo espaço dividido com buracos e o rio do outro lado, em algumas partes de calçada muita estreita tinha poste bem no meio e acabei quase batendo em um deles, fora as grandes subidas que com uma bicicleta sem condições de fazer o que eu estava fazendo( a catraca e corrente muito gasta, pula bastante) começou a ficar difícil estas subidas de mais de 500 metros, mas depois tinha a descida, a recompensa, a festa.
Cheguei por fim em Ribeirão Pires, depois de duas horas de pedaladas, cruzei os trilhos da velha estação de trem e pra confirmar mais uma escolha errada, entre as milhares que se somam por varias décadas, não tinha nada, tudo vazio, sem festa, sem bar aberto; “Is there anybody there”??? Nada, somente alguns cachorros, um ou outro bêbado e algum casal solitário. Uma volta pela cidade fantasma, mais algumas latinhas pelo caminho pra se somar e completar a minha meta de pelo menos 70 latinhas, o que me daria a fortuna na venda de $ 2,20 e decidi voltar tudo pedalando e talvez parar em Mauá se tivesse algo de festa na rua. Uma grande subida pela frente, mais uma descida e uma parte plana com muito verde dos dois lados, terra vermelha, alguns sítios e chácaras com luzes e pessoas esperando dar 24 hs,as vilas distantes com alguns fogos e de repente tudo explodiu, percebi pelos gritos e os fogos, agora muito mais forte que havia chegado o novo ano. Atravessei com a bicicleta para o lado esquerdo da pista, havia uma grande maquina, escavadeira de terra parada, abandonada pelo menos por estes dias de festas, terra mexida, um rio quase encoberto pela vegetação e uma estrada de terra indo no meio do mato pra lugar nenhum. Ali me pareceu o lugar perfeito e totalmente fora dos padrões normais pra alguém estar passando a virada do ano, bom para escutar e ver os fogos. O lugar na verdade lembrava locais onde abandonam pessoas mortas, assassinadas, carros roubados, mas não tinha nenhum sinal de algo ruim, nenhuma presença estranha, pelo contrario um lugar muito bonito a noite. Parei com a bicicleta, do lado da maquina e do rio. Havia um grande circulo sem vegetação, limpo pela maquina e dele seguia a estrada de terra batida, estreita, para o mato. Os fogos estouravam de vários lados , longe e dava pra perceber pelas luzes que os focos eram de varias comunidades, vilas. Apesar de eu não ter o mesmo fascínio que a maioria das pessoas tem por estes brinquedos, o jeito e a distancia que estouravam, se intercalando, se juntando, vários sons distantes, depois tudo no mesmo tempo, parecia uma orquestra, com um solo do trem que cruzava cheio de luzes e apitando, vindo de São Paulo para Ribeirão Pires, um concerto para 2013. Fiquei parado olhando e ouvindo tudo aquilo e de repente percebi que naquele momento eu estava no melhor lugar, não precisava de nada, só havia conseguido sentir isto quando viajei por muitos dias em estradas de Minas Gerais ou pelo deserto do Atacama no Chile. A única coisa que me passava pela mente, fora este bem estar, sem ansiedade, sem abraços, palavras, sem copos, salgados, carne, euforia era a lembrança dos amigos e pessoas da família, também das pessoas que já morreram, mas isto também veio de uma maneira leve e desejei sorte pra todos e seguimos na contemplação, porque também havia uma sensação de estar acompanhado ali, o contrario de algumas vezes no meio de um monte de gente que eu procurava um outro canto pra sair um pouco pois não estava conectado com as pessoas. Mais um pouco de fogos e apareceu um monte de gente e crianças de branco na beira da estrada, devem ter saído de uma chácara, gritando feliz ano novo para os carros que passavam.Entrei mais pra dentro da estrada e fiquei até os fogos ir parando. Olhando ao redor, percebi que havia um morro e em cima uma pequena Igreja, quase tampada pela mata. A Igreja se não estou enganado deve ser a Igreja do Pilar de Ribeirão Pires; Uma Igreja pequena e simples mas com grande significado para muitas pessoas e turistas que a visitam e pra mim agora todo este lugar junto com a igreja virou um local magico, sagrado, não teria como eu planejar tudo como aconteceu, tudo foi perfeito, mesmo sem pessoas, gargalhadas, copos e promessas, sem aquela pessoa especial que toda mundo quer ter ao lado nestas horas, desta vês nem nisto eu pensei.
Depois de um bom tempo resolvi pegar a estrada de volta pra casa, pegando latinhas, passando ainda por Mauá e por fim chegando a Santo André as 3 hs da Manhã com quase câimbra e umas 70 latinhas vazias de cerveja. Quando sai nesta pequena viagem eu não tinha ainda um plano traçado, um trajeto, só queria fugir um pouco das festas dos vizinhos e pegar algumas latinhas, mas aquilo foi se tornando uma das melhores partes com significado da minha vida. Pedalar 40 Kms não é nada, tem muita gente que faz muito mais que isto todos os dias, mas o importante é que esta “viagem”funcionou, como abrir mais uma vês aquela porta que esta ali, mas a gente acaba esquecendo, um tipo de encontro com você mesmo pra realmente mudar mais uma vês aquilo que não esta funcionando e fazer a sintonia com o que é mais importante; A vida, a liberdade. Nós perdemos muito tempo fazendo coisas e justificando atos e convenções sociais na maioria das vezes por medo mesmo porque o caminho da verdadeira satisfação, a sua, não a dos outros ou a que indicam pra você a vida inteira não é uma coisa assim tão fácil, mas ...Eu gosto disto, como aquela musica dos Stones; "It's Only Rock'n Roll (But I Like It)"
As latas que consegui, 70, $ 2,20... A parte pratica desta viagem, materialista, financeira é só mais uma história minha de fracassos neste lado necessário da vida. Eu teria que ter ido na verdade pro centro de São Paulo, onde os “profissionais” das latinhas enchem vários sacos com tanta gente bebendo. De qualquer maneira tudo é uma questão de aplicação de matemática; Se você conseguiu 70 latinhas então pode trabalhar muito mais e pegar 7000, depois consegue um caminhão e começa a comprar algumas toneladas explorando pessoas"escravos" que pegam pra você e vender pras grandes recicladoras de alumínio. Ou melhor ainda, juntar algum dinheiro pegando latinhas e investir nas ações das Empresas dos “Grandes Catadores de Latinhas S/A”...
Feliz Ano Novo
Vanderlei do Prado

Fotos/ Google
O trecho foi feito a noite as imagens deste trajeto são de dia porque peguei no mapa do Google, o viaduto por exemplo, "salão de festas" estava bem melhor que esta imagem, maior.
Ponto de partida/minha casa a esquerda
Trecho em Maua











 Grande sala de festas, a noite é mais bonito
Maua











Estação de Ribeirão Pires














Subidas de Ribeirão


Calçada com poste bem no meio

http://www.ribeiraopires.sp.gov.br/interno.php?id=359
http://ribeiraopires.fot.br/Historia/001-PILAR_PARTE_02.htm

 Local onde parei a noite. Depois da ponte entrei pra dentro do lado do rio, era tudo terra e tinha uma escavadeira. Estas fotos que peguei do mapa do Google são de 2011 ou a Prefeitura esta tirando tudo isto que não tinha quando estive lá a noite do dia 31, estacionamento, calçada, vou verificar isto ou algo de estranho aconteceu neste lugar.
09 de janeiro de 2013- Voltei ao lugar e na verdade esta havendo uma obra ao lado do estacionamento. O lugar é o Morro de Santo Antonio, um mirante e não a Igreja de Nossa Senhora do Pilar.
Todos estes lugares valem a pena serem visitados, principalmente pra quem gosta de fazer pequenas viagens de bicicleta. Se a pessoa estiver preparada pode ainda esticar para Rio Grande da Serra, Paranapiacaba, ou até mesmo descer para o litoral. Esta parte já exige mais de quem resolver esticar a viagem. Precisa  ter tempo, preparo fisico e equipamento

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