Ex-moradores do Pinheirinho, movimentos de direitos humanos e
advogados entregaram à ministra Eliane Calmon Reclamação Disciplinar
contra cinco membros do Judiciário paulista
por
Conceição Lemes
Nesta sexta-feira 22, a desocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), completa cinco meses.
Mais de 6 mil pessoas
— homens, mulheres, crianças
de todas as idades, idosos e enfermos – foram retiradas violentamente do
terreno em que moravam há mais de oito anos por uma tropa de choque de
mais de 2 mil policiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo e da
Guarda Civil Metropolitana. A maior parte dos moradores perdeu tudo:
desde casa (todas demolidas), móveis, fogão, geladeira, TV, computador,
roupas até documentos.
Um verdadeiro massacre autorizado pelo governador Geraldo Alckmin e o
prefeito Eduardo Cury, ambos do PSDB, com a complacência do Judiciário
paulista.
Para que fatos como esse jamais se repitam, vários juristas, entre os
quais os professores Fabio Konder Comparato, titular da Faculdade de
Direito da USP, e José Geraldo de Souza Júnior, reitor da Universidade
de Brasília (UnB), denunciaram o caso à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Na denúncia, pedem:
* Medidas legislativas e políticas públicas urgentes para que o
Estado brasileiro não permita mais episódios como o Pinheirinho nem se
confira tratamento semelhante a outros graves conflitos sociais.
* Apuração de responsabilidade das autoridades envolvidas, incluindo o
governador do Estado de São Paulo e o presidente do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo.
A divulgação da representação à OEA será feita nesta sexta-feira, às
11h, durante ato na Sala do Estudante da Faculdade de Direito da USP.
É a segunda denúncia formalizada esta semana contra a violência da
desocupação do Pinheirinho e as irregularidades do procedimento
judicial.
A primeira, na terça-feira 19, foi a Reclamação Disciplinar ao
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra cinco autoridades do
Judiciário paulista:
Ivan Sartori, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo
Cândido Além, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo
Rodrigo Capez, juiz assessor da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo
Marcia Faria Mathey Loureiro, juíza da 6ª Vara Cível de São José dos Campos
Luiz Beethoven Giffoni Ferreira, juiz da 18ª Vara Cível do Fórum Central João Mendes Júnior.
Pedida ao CNJ a punição de Ivan Sartori, Rodrigo Capez,
Márcia Loureiro, Luiz Beethoven, além de Cândido Além que não está nas
fotos
A denúncia, assinada por Dalmo Dallari, Celso Antônio Bandeira de
Mello, Fábio Konder Comparato e Cezar Britto, entre outros juristas, foi
entregue à própria Corregedora Nacional de Justiça, ministra Eliana
Calmon, durante reunião em Brasília. Na representação de 44 páginas, é
solicitada instauração de processo administrativo disciplinar.
Sobre a conduta da juíza Márcia Loureiro a representação ao CNJ salienta:
“Diante da condução abertamente parcial
em favor da massa falida, também foi apresentada exceção de suspeição
contra a juíza Márcia Loureiro “(noticiado às fls. 693-695 – Proc. nº
0296050-27.2011.8.26.0000)”.
“A juíza em questão fez todo um trabalho
de divulgação midiática, em uma ampla campanha de nítido caráter
político contra a comunidade do Pinheirinho. Várias foram suas
intervenções públicas contra aquelas pessoas 15 indefesas, além das
referidas declarações de altíssima impropriedade acerca do valor da
área”.
“Como se vê, dizer-se da falta de
imparcialidade na condução do processo é minimizar o completo empenho da
representada em favorecer os interesses da massa falida. Aqui cabe
lembrar – para a completa perplexidade – que o pedido dos advogados
dessa massa falida era para a realização de uma mera audiência de
instrução”.
Sobre a conduta do desembargador Ivan Sartori a mesma representação afirma:
“Todas as tratativas entabuladas por
parlamentares e magistrados, sob a ciência e participação ativa do
Presidente do TJSP, revelaram-se parte de um ardil”.
“O mesmo desembargador IVAN SARTORI, que
no dia 20 de janeiro de 2012 se reuniu com os parlamentares, designou um
juiz (RODRIGO CAPEZ) para dirigir o massacre da desocupação do
Pinheirinho, dois dias depois, em plena madrugada de domingo, 22 de
janeiro”.
“Por mais incrível que pareça, as
condutas viciadas praticadas pela magistrada de primeiro grau de
jurisdição foram mais que respaldadas pelo presidente do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, ampliadas ao grau da barbárie, em
cenário de instituição de um autêntico juízo de exceção”.
“De início, ressalte-se a brutal
ilegalidade na assunção de uma jurisdição que não lhe tocava, em
completa violação às regras de competência”.
“Não existe nem mesmo um arremedo de norma que ampare a usurpação de competência encetada pelo desembargador presidente”.
“Essa exaustiva reprodução textual visou
demonstrar de maneira definitiva que não cabia ao desembargador
presidente do tribunal paulista exercer o papel que se arvorou em
praticar – de algoz de uma população indefesa. Tolerar um desmando dessa
magnitude seria renunciar ao próprio estatuto de democracia”.
“Recebendo ordem da justiça federal para
suspender a reintegração de posse, o presidente do tribunal fez chegar
ao seu subordinado, o juiz RODRIGO CAPEZ, uma contra ordem para “repelir
forças federais”, como já foi noticiado na exposição factual. Ora, isso
caracteriza nada menos do que a quebra do pacto federativo,
com bem sintetizou o presidente do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, criticando a postura do
presidente do TJSP”.
Sobre a conduta do juiz Rodrigo Capez a representação ao CNJ diz:
“O juiz CAPEZ teve papel de destaque nas
articulações que engendraram o ardil. Os depoimentos dos próprios
parlamentares certamente delimitará em qual medida essa ação se
desenvolveu”.
“As referências às violações éticas já
apontadas no tópico antecedente aplicam-se igualmente aqui. Embora
transpareça ser apenas um títere assomado pelabanalidade do mal, seu protagonismo é indiscutível”.
“Dessarte, sua posição servil à
presidência não o eximia da adoção de uma conduta compatível com os
ditames éticos e legais. É isso que deverá ser avaliado pelo órgão
correcional”.
Da audiência com a ministra Eliane Calmon participaram ex-moradores
do Pinheirinho, entidades de direitos humanos e os advogados Cezar
Britto (ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil — OAB-Federal),
Aristeu Neto, Antonio Ferreira, Camila Gomes, Rodrigo Camargo, Marcus
Vinícius (secretário-geral da OAB) e Arthur Motta, assessor do senador
Eduardo Suplicy (PT-SP).
Todos puderam se manifestar, inclusive o senhor Valdir, representante
da Associação de Moradores, que descreveu os requintes de crueldade com
os quais foi levada a cabo a ação policial de desocupação.
“A audiência foi excelente”, avalia Antônio Ferreira, advogado que
acompanha o caso desde o princípio. “A ministra nos escutou e sentimos
preocupação da sua parte com os fatos relatados. Percebemos que a
Corregedora tinha conhecimento sobre o caso. Saímos de lá com a certeza
de que os fatos serão averiguados.”
Camila Gomes, advogada do caso, salienta: “Ficamos com nítida
impressão de que o CNJ está preocupado não apenas com a regularidade
técnica da atuação dos magistrados, mas também com a ética e a
responsabilidade social no exercício da função jurisdicional”.
Para o advogado Cezar Britto, ex-presidente da OAB, a reunião no CNJ
foi bastante proveitosa principalmente porque dois fatos referentes ao
Pinheirinho geram conseqüências positivas na Magistratura.
“O primeiro quando se pediu ao CNJ que adote procedimentos uniformes
em relação a conflitos sociais, evitando violações de direitos humanos e
possíveis massacres dos cidadãos, fortalecendo assim a imagem do Poder
Judiciário como distribuidor de justiça”, observa Britto. “O segundo, e
não menos importante, é a adoção de medidas terapêuticas para evitar que
fatos como os de Pinheirinho se repitam, caracterizado no pedido de
punição aos magistrados envolvidos.”
http://www.viomundo.com.br/denuncias/massacre-do-pinheirinho-denunciado-ao-cnj-e-a-oea.html Viomundo